TROPICALISMO - CURIOSIDADES

Oi, turma, estes são trechos interessantes retirados de jornais e revistas da época.

Caetano Veloso sobre sua canção "É proibido proibir":

"A intolerância crítica por parte das gerações mais novas com relação às anteriores. (O Tropicalismo tratou seus antecessores com amor e humor). A existência da Bahia. (O Tropicalismo mal tratou do assunto). A existência do carnaval. (O Tropicalismo mal tratou do assunto). A influência das modas culturais francesas sobre os intelectuais brasileiros (e argentinos, certamente.). (O episódio É proibido proibir resume-se no seguinte: Guilherme Araújo, meu empresário, me mostrou na Manchete uma reportagem sobre os acontecimentos de maio em Paris que eu não quis ler, pois tenho preguiça de ler. Lembro-me que ele mesmo virou a página e disse: é engraçado, eles pixaram coisas lindas nas paredes. Esta frase aqui é linda – “é proibido proibir”. Eu falei. É lindíssima. Ele falou – faça uma música usando esse negócio como refrão. Eu disse – tá. Passou. Eu não fiz. Daí ele me cobrou. Eu disse, faço. Fiz. Achei meio boba, mas bonitinha. Todo mundo na hora achou bonita. No dia seguinte eu já a achava péssima. Até hoje só gosto do ritmo e de uma parte da letra que diz “eu digo sim, eu digo não ao não”. Veio o festival da Globo. Eu não tinha nenhuma música bacana pra botar. Nem muita vontade de entrar no festival. Só me convenci a concorrer quando decidi pegar aquela música que eu não gostava e fazer uma esculhambação com o festival. A canção foi escondida pelo happenning e pelas vaias. Sérgio Ricardo ficou intrigado nos bastidores ao ver minha alegria: “não entendo como vocês podem ficar tão contentes de serem vaiados”. Quando voltei para repetir a música já o Gil tinha sido desclassificado (o que me enfureceu porque eu achava o número dele genial), enquanto o meu “É proibido proibir” tinha merecido do júri as melhores notas. Entrei no teatro decidido a dar um esporro. E dei. Disse que o júri era incompetente e a platéia burra ou coisa assim. Tá no disco."

(Caetano Veloso -  O Verbo Encantado, junho de 1972)

Sem perguntas-respostas, 60 minutos de fita gravada, com Ricardo Muniz entrevistando Rogério Duarte em um “claustro” do convento da Lapa: Salvador, Bahia, 10 de agosto de 1987:

"PLAY – Não se pode colocar qualquer movimento dentro da cultura brasileira como algo desvinculado
e autóctone. Existe uma relação básica entre os movimentos nacionais e os movimentos internacionais. Atualmente e sempre não existe uma História Brasileira assim como não existe uma História Francesa, tudo é uma imbricação de problemáticas. Aquela música de Caetano em que ele fala “Arrebentar as prateleiras… É proibido proibir” é uma homenagem ao movimento estudantil na França. A bandeira de Hélio Oiticica, “Seja marginal, seja herói”, é movimento de contracultura, idêntico ao americano, ao francês.
O movimento modernista está ligado a toda a vanguarda européia: futurismo, dadaísmo, surrealismo,
e foi preciso que na Europa se descobrisse o nacionalismo para que no Brasil nos sentíssemos autorizados a fazer uma arte nacional = Movimento Pau-Brasil.
PLAY – A música é considerada sempre uma arte tardia, porque ela consolida as revoluções, porque
é através da forma que ela age, de uma forma muito profunda. Sempre houve uma hierarquização
de artes maiores e menores, onde se falava de música popular e música artística como dois elementos quase que opostos; e a grande força do Tropicalismo foi assumir essa contradição que já se encontrava
em toda a arte nacional. Em Villa-Lobos vemos isso claramente. Sua música não é composta nos moldes clássicos europeus de um tema versus contratema. Não! Ele mescla centenas de temas numa espécie de carnaval alucinado e barroco, que é uma das principais características no Tropicalismo, essa contribuição milionária de todos os erros, o abandono de um critério acadêmico e conservador de bom gosto e mau gosto. O mau gosto entra na estética e abole com o frio e branco bom gostismo predominante, e isso gera uma revolução…"

(Rogério Duarte - Extraído de Tropicália 20 Anos, SESC, 1987)

Gilberto Gil sobre ter recusado um prêmio oferecido pelo Museu da imagem e do Som:

"Pois é. Porque não acredito como pensam meu pai & amigos do Brasil que o golfinho me tenha sido concedido por aqueles que reconhecem meu trabalho, que realmente gostam de mim e não pelos que me menosprezam e ignoram. Ingenuidade. Embora muita gente possa realmente respeitar o que fiz no Brasil (talvez até mesmo gente do Museu), acho muito difícil que esse museu venha premiar a quem, claramente, sempre esteve contra a paternalização cultural asfixiante, moralista, estúpida e reacionária que ele faz com relação à música brasileira. Sempre estive contra toda forma de fascismo cultural de que o museu – à sua maneira – vem representando uma parcela no Brasil. Se, quando eu estava aí, eu nunca perdi tempo atacando diretamente organizações como o Museu da Imagem e do Som é porque o meu trabalho já fazia isso; minha música já assumia essa responsabilidade. E se eu continuasse aí não sei o que estaria fazendo, mas de qualquer forma tenho certeza que não estaria sendo premiadão. Claro que eu não acredito nesse prêmio. Pelo que me é dado saber o museu continua o mesmo e, portanto, eu continuo contra e recusar o prêmio é só pra deixar isso bem claro. Se ele pensa que com “Aquele Abraço” eu estava querendo pedir perdão pelo que fizera antes, se enganou. E eu não tenho dúvida de que o museu realmente pensa que “Aquele Abraço” é samba de penitência pelos pecados cometidos contra “a sagrada música brasileira”. Os pronunciamentos de alguns dos seus membros e as cartas que recebi demonstram isso claramente. O museu continua sendo o mesmo de janeiro, fevereiro e março: tutor do folclore de verão carioca. Eu não tenho porque não recusar o prêmio dado para um samba que eles supõem ter sido feito zelando pela “pureza” da música popular brasileira. Eu não tenho nada com essa pureza. Tenho três LPs gravados aí no Brasil que demonstram isso. E que fique claro para os que cortaram minha onda e minha barba que “Aquele Abraço” não significa que eu tenha me “regenerado”, que eu tenha me tornado “bom crioulo puxador de samba” como eles querem que sejam todos os negros que realmente “sabem qual é o seu lugar”. Eu não sei qual é o meu e não estou em lugar nenhum; não estou mais servindo a mesa dos senhores brancos e nem estou mais triste na senzala em que eles estão transformando o Brasil. Por isso talvez Deus tenha me tirado de lá e me colocado numa rua fria e vazia onde pelo menos eu possa cantar como o passarinho. As aves daqui não gorjeiam como as de lá, mas ainda gorjeiam."

(Gilberto Gil - O Pasquim, 19 a 25 de agosto de 1970)

Gal Costa interpreta  Divino, Maravilhoso, deixando sua marca no movimento tropicalista. Veja o que ela disse em 2005:

"Naquela época convivia com todo o ambiente tropicalista. Só falávamos dos movimentos novos que surgiam no mundo. Gil ouvia Hendrix o dia inteiro. Janis Joplin não saia da minha cabeça. Aquele som, aquele rasgo de voz foi me tomando de uma forma que criou em mim uma necessidade de fazer alguma coisa diferente do que eu acreditava, de tudo o que já fizera e de como eu entendia a música até então. Eu era muito radical, gostava de pouquíssima coisa. João era meu ídolo e nada, quase nada passava pela minha peneira. Não gostava de iê-iê-iê, nem da Jovem Guarda, de nada. Precisava fazer alguma coisa para me expressar, botar pra fora o que eu sentia, com força, atitude, e que, falando francamente, chamasse a atenção sobre mim.
(...)
Quando Caetano me viu pisar o palco cheia de penduricalhos e espelhinhos pendurados no meu pescoço, aquela cabeleira afro armada por Dedé, quase morreu de susto. Ele não sabia de nada. Não tinha escutado o arranjo do Gil, nada, nada. Cantei com toda a fúria e força que haviam em mim. Metade da platéia se levantou para vaiar. A outra metade aplaudiu ferozmente. Um homem na minha frente berrava insultos. Foi então que me veio ainda uma força maior que me atirou contra ele. Cantava diretamente para ele: “É preciso estar atento e forte, não temos tempo de temer a morte!”. Cantava com tanta força e tanta violência que o homenzinho foi se aquietando, se encolhendo, e sumiu dentro de si mesmo. Foi a primeira vez que senti o que era dominar uma platéia. E uma platéia enfurecida. Naquele tempo de polarização política, a música era a única forma de expressão. Despertava paixões, verdadeiras guerras. Saí do “Divino, maravilhoso” fortalecida, crescida. Acho que naquela noite entrei no palco adolescente, menina, e saí mulher. Sofrida, arrebentada, mas vitoriosa."

(Gal Costa - 29 de junho de 2005)

Tropicalismo, antropofagia, mito, ideograma - Glauber Rocha

"Consideramos como início de uma revolução cultural no Brasil o 1922. Naquele ano existiu forte movimento cultural de reação à cultura acadêmica e oficial. Deste período o expoente principal foi Oswald de Andrade. Seu trabalho cultural, sua obra, que é verdadeiramente genial, ele definiu como antropofágica, referindo-se à tradição dos índios canibais. Como esses comiam os homens brancos, assim ele dizia de haver comido toda a cultura brasileira e aquela colonial. Morreu com pouquíssimos textos publicados.
José Celso Martinez, que dirige o grupo Teatro Oficina, o mais importante grupo de vanguarda teatral, descobriu o texto do Rei da Vela, e montou o espetáculo. Foi uma verdadeira revolução: a antropofagia (ou o Tropicalismo, também chamado assim) apresentada pela primeira vez ao público brasileiro provocou grande abertura cultural em todos setores.
O Tropicalismo, a antropofagia e seu desenvolvimento são a coisa mais importante hoje na cultura brasileira.
A história do Brasil é pequena, reduzida. Temos uma tradição nacional-fascista, que depois se transformou em nacional-democrática, mas quando o país descobriu o subdesenvolvimento, o nacionalismo utópico entrou em crise e caiu. Primeiro se descobriu, sem bem que em forma bastante esquemática, por que no Brasil as Ciências Sociais são primitivas, o subdesenvolvimento econômico; depois veio a descoberta de que o subdesenvolvimento era integral.
O cinema brasileiro partiu da constatação desta totalidade, de seu conhecimento e da consciência da necessidade de superá-la de maneira também total, em sentido estético, filosófico, econômico: superar o subdesenvolvimento com os meios do subdesenvolvimento. O Tropicalismo, a descoberta antropofágica, foi uma revelação: provocou consciência, uma atitude diante da cultura colonial que não é uma rejeição à cultura ocidental como era no início (e era loucura, porque não temos uma metodologia): aceitamos a ricezione integral, a ingestão dos métodos fundamentais de uma cultura completa e complexa, mas também a transformação mediante os nostros succhi e através da utilização e elaboração da política correta. É a partir deste momento que nasce uma procura estética nova, e é um fato recente.
Agora, “Tropicalismo” é um nome que não significa nada, como “Cinema Novo”. Aquilo que é significante é o apporto dos artistas nesta direção.
Tropicalismo é aceitação, ascensão do subdesenvolvimento; por isto existe um cinema antes e depois do Tropicalismo. Agora nós não temos mais medo de afrontar a realidade brasileira, a nossa realidade, em todos os sentidos e a todas as profundidades. Eis por que em Antônio das Mortes existe uma relação antropofágica entre os personagens: o professor come Antônio, Antônio come o cangaceiro, Laura como o comissário, o professor come Cláudia, os assassinos comem o povo, o professor come o cangaceiro.
Esta relação antropofágica é de liberdade."

(Glauber Rocha - Extraído de Revolução do Cinema Novo. Rio de Janeiro: Alhambra, 1981)

Se vocês forem tão curiosos quanto eu, podem ler tudo na íntegra no site http://tropicalia.com.br/eubioticamente-atraidos/verbo-tropicalista/tropicalismo-antropofagia-mito 

ATENÇÃO: TUDO É PERIGOSO, TUDO É DIVINO, MARAVILHOSO!


Comentários

Postagens mais visitadas