(Des)informação
Bom dia, caros colegas.
Como havia prometido, uma ideia de aula sobre a influência das mídias de comunicação sobre a nossa percepção de mundo. O material pode ser usado em aulas sobre argumentação e/ou a importância de uma leitura crítica.
Sabemos que a população é fortemente influenciada pelas mídias e assistir à televisão, falar ao telefone ou navegar na internet já faz parte de nossa rotina. Desta forma, somos bombardeados a toda hora com informações - na maioria das vezes equivocadas - que só visam a um objetivo: vender uma ideia, convencer-nos de algo.
A mídia influencia as pessoas no modo de agir, de pensar e até no modo de se vestir. Ela cria as demandas, orienta os costumes e hábitos da sociedade, além de definir estilos, bordões e discussões sociais.
É necessário muita leitura para desenvolver o pensamento crítico e saber separar, nas informações que nos são transmitidas, aquilo que é real daquilo que é manipulação.
O trecho abaixo foi retirado do filme "O Substituto", o qual recomendo a todos os professores e pode ser uma boa forma de começar essa aula.
Depois de uma conversa com os alunos sobre a influência das mídias, vocês podem distribuir aos alunos o texto do economista da UFF, Victor Leonardo de Araújo, que aborda informações "equivocadas" que o jornal O Globo vem divulgando sobre a economia venezuelana:
Economista na UFF enumera mentiras de 'O Globo' sobre Venezuela
O economista Victor Leonardo de Araújo, professor da Universidade Federal Fluminense, enviou carta ao jornal 'O Globo' enumerando os dados errados recorrentemente usados pelo jornal para criticar a economia da Venezuela. Entre eles, números sobre déficit público, inflação e produção industrial. Leia a íntegra do texto.
Victor Leonardo de Araujo
"Prezada Senhora Sandra Cohen, editora de Mundo de O Globo
Já é sabido que o jornal O Globo não nutre qualquer simpatia pelo governo do presidente venezuelano Hugo Chávez, e tem se esforçado a formar entre os seus leitores opinião contrária ao chavismo – por exemplo, entrevistando o candidato Henrique Caprilles sem oferecer ao leitor entrevista com o candidato Nicolás Maduro em igual espaço. Isto por si já é algo temerário, mas como eu não tenho a capacidade de modificar a linha editorial do jornal, resigno-me.
O problema é que o jornal tem utilizado sistematicamente dados um tanto quanto estranhos na sua tarefa de formar a opinião do leitor. Sou professor de Economia da Universidade Federal Fluminense e, embora não seja “especialista” em América Latina, conheço alguns dados sobre a Venezuela e não poderia deixar de alertá-la quanto aos erros que têm sido sistematicamente cometidos.
Como parte do esforço de mostrar que o governo Chávez deixou a economia “em frangalhos”, o jornalista José Casado, em matéria publicada em 15/04/2013 (“Economia em frangalhos no caminho do vencedor”) informa que o déficit público em 2012 foi de 15% do PIB.
Infelizmente, as fontes desta informação não aparecem na reportagem (apenas uma genérica referência a “dados oficiais e entidades privadas”!!!), uma falha primária que nem meus alunos não cometem mais em seus trabalhos.
Segundo estimativas apresentadas para o ano de 2012 no “Balanço Preliminar das Economias da América Latina e Caribe”, da conceituada Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), o déficit foi de 3,8% do PIB, ligeiramente menor do que no ano anterior, mas muito inferior ao apresentado pelo jornal.
Caso o jornalista queira construir a série histórica para os resultados fiscais para a Venezuela (e qualquer outro país do continente), pode consultar também as várias edições do “Estudio Económico” também da Cepal.
Para poupar o seu trabalho: a Venezuela registrou superávit primário de 2002 a 2008: 2002: 1% do PIB; 2003: 0,3; 2004: 1,8; 2005: 4,6; 2006: 2,1; 2007: 4,5; 2008: 0,1; e déficit nos anos seguintes: 2009: -3,7% do PIB; 2010: -2,1; 2011: -1,8; 2012: -1,3.
O déficit é decrescente, mas bem distante dos 15% do PIB publicados na matéria.
Afirmar que o déficit público na Venezuela corresponde a 15% do PIB tem sido um erro recorrente, e também aparece na matéria intitulada “Onipresente Chávez”, publicada na véspera, também no caderno “Mundo” do jornal 'O Globo' em 13/04/2013.
A este propósito, tenho uma péssima informação a lhe dar: diante de um quadro fiscal tão saudével, o presidente Nicolás Maduro não precisará realizar ajuste fiscal recessivo, e terá condições de seguir com as políticas de seu antecessor.
A matéria do dia 15/04/2013 possui ainda outros erros graves. O primeiro é afirmar que existe hiperinflação na Venezuela, e crescente. Não há como negar que a inflação é um problema grave na Venezuela, mas 'O Globo' não tem dispensado o tratamento adequado para informar os seus leitores.
A inflação na Venezuela tem desacelerado: foi de 20% em 2012, contra 32% em 2008 (novamente utilizo os dados da Cepal). Tudo indica que o jornalista não possui conhecimento em Economia, pois a Venezuela não se enquadra em qualquer definição existente para hiperinflação – a mais comumente utilizada é de 50% ao mês; outras, mais qualitativas, definem hiperinflação a partir da perda da função de meio de troca da moeda doméstica, situações bem distantes do que ocorre na Venezuela.
Outro equívoco é afirmar que “não há divisas suficientes para pagar pelas importações”. A Venezuela acumula superávits comerciais e em transações correntes (recomendo que procure os dados – os encontrará facilmente na página da Cepal).
Esta condição é algo estrutural, e a Venezuela é a única economia latino-americana que pode dar-se ao luxo de não precisar atrair fluxos de capitais na conta financeira para financiar suas importações de bens e serviços. Isto decorre exatamente das exportações de petróleo.
O problema, Senhora Sandra Cohen, é que os erros cometidos ao expor a situação econômica venezuelana não se limitam à edição do dia 15/04, mas tem sido sistemáticos e corriqueiros.
Como parte do esforço de mostrar que o governo Chávez deixou uma “herança pesada”, a jornalista Janaína Figueiredo divulgou no dia 14/04 (“Chavismo joga seu futuro”) que em 1998 a indústria respondia por 63% da economia venezuelana, e caiu para 35% em 2012.
Infelizmente, a reportagem comete o erro primário que o seu colega José Casado cometeu: não cita suas fontes.
Em primeiro lugar, a informação dada pelo jornal é que a Venezuela era a economia mais industrializada do globo terrestre no ano de 1998. Veja bem: uma economia em que a indústria representa 63% do PIB é super-hiper-mega-industrializada, algo que sequer nos países desenvolvidos foi observado naquele ano, nem em qualquer outro. E a magnitude da queda seria digna de algo realmente patológico.
Como trata-se de um caso de desindustrialização bastante severo, procurei satisfazer a minha curiosidade, fazendo algo bastante corriqueiro e básico em minha profissão (e, ao que tudo indica, o jornalista não fez): consultei os dados.
Na página do Banco Central da Venezuela encontrei a desagregação do PIB por setor econômico e lá os dados eram diferentes: a indústria respondia por 17,3% do PIB em 1998, e passa a representar 14% em 2012. Uma queda importante, sem dúvida, mas algo muito distante da queda relatada por sua jornalista.
Caso a senhora, por qualquer juízo de valor que faça dos dados oficiais venezuelanos, quiser procurar em outras fontes, sugiro novamente a Cepal, (Comissão Econômica para América Latina e Caribe).
As proporções mudam um pouco (21% em 1998 contra 18% em 2007 – os dados por lá estão desatualizados), mas sem adquirir a mesma conotação trágica que a reportagem exibe. Em suma: os dados publicados na matéria estão totalmente errados.
O erro cometido é gravíssimo, mas não é o único.
A reportagem ainda sugere que a Venezuela é fortemente dependente do petróleo, respondendo por 45% do PIB. Novamente, a jornalista não cita suas fontes.
Na que eu consultei (o Banco Central da Venezuela), o setor petróleo respondia por 19% do PIB em 1998, contra pouco mais de 10% em 2012.
Como a Senhora pode perceber, a economia venezuelana se diversificou. Não foi rumo à indústria, pois, como eu mesmo lhe mostrei no parágrafo acima, a participação desta última no PIB caiu. Mas, insisto, a dependência do petróleo DIMINUIU, e não aumentou como o jornal tem sistematicamente afirmado.
A edição de 13/04/2012, traz outros erros graves. Eu já falei anteriormente sobre os dados sobre déficit público apresentados pela matéria assinada pelo jornalista José Casado (“Onipresente Chávez”).
A mesma matéria afirma que a participação do Estado venezuelano representa 44,3% do PIB.
O conceito de “participação do Estado na economia” é algo bastante vago, e por isso era importante o jornalista utilizar alguma definição e citar a fonte – mas isto é algo, ao que tudo indica, O Globo não faz.
Algumas aproximações para “participação do Estado na economia” podem ser utilizadas, e as mais usuais apresentam números distantes daqueles exibidos pelo jornalista: os gastos do governo equivaliam a 17,4% do PIB em 2010 (contra 13,5% em 1997) e a carga tributária em 2011 era de 23% (contra 21% em 2000), nada absurdamente fora dos padrões latino-americanos.
Enfim, no afã de mostrar uma economia em frangalhos, O Globo exibe números simplesmente não correspondem à realidade da economia venezuelana. Veja bem: eu nem estou falando de interpretação dos dados, mas sim de dados que equivocados!
Seria importante oferecer ao leitor de O Globo uma correção dessas informações – mas não na forma de errata ao pé de página, mas em uma reportagem que apresente ao leitor a economia venezuelana como ela é, e não o caos que O Globo gostaria que fosse.
E, por favor, nos próximos infográficos, exibam suas fontes.
Atenciosamente,
Victor Leonardo de Araújo
Professor de Economia da Universidade Federal Fluminense"
Em minhas pesquisas, encontrei um material muito interessante com análises de outras manchetes do jornal O Globo do professor e advogado Rodolpho Motta Lima. Vale a pena conferir.
BJ, BJ.
Shênia Martins.
Comentários
Postar um comentário