TEXTOS PARA DEBATE - 3º ANO DO E.M.
Oi, galera, desculpe a demora. postei 3 textos que considero muito interessantes. Dois deles abordam a questão da fé x razão, e o outro é sobre a incoerência em muitas de nossas atitudes. Espero que vocês curtam. BJ BJ.
O círculo quadrado
E Deus falou para o filósofo:
– Eu sou
o Senhor teu deus, e
sou Todo-poderoso. Não há coisa alguma que você possa dizer que não possa ser feita. É fácil!
E o filósofo falou para o Senhor:
– OK, oh,
poderoso. Transforme tudo que é azul em vermelho e tudo o que é vermelho em
azul.
O Senhor disse:
– Que se faça a inversão de cores! — E a inversão de cores foi feita,
deixando completamente confusos os porta-bandeiras da Polônia e de São
Marino.
Então o filósofo falou ao Senhor:
– Se quer me impressionar, faça um círculo quadrado.
E o
senhor falou:
– Faça-se um círculo quadrado.
— E
foi feito,
Mas
o filósofo protestou.
– Isso não é um circulo quadrado,
isso é um
quadrado. Senhor ficou com raiva.
Se eu digo que é um círculo, é um círculo. Cuidado
com
essa sua
impertinência, ou eu posso parti-lo em pedacinhos.
Mas o filósofo insistiu.
– Eu não pedi para mudar o significado da palavra “círculo” só para que
ela passasse a significar “quadrado”. Eu queria um verdadeiro
círculo
quadrado. Admita...
Isso é algo que não pode fazer.
Senhor pensou um pouco, então
resolveu responder Iançando sua
vingança poderosa sobre a cabeça do filósofo metido a esperto.
Se houver qualquer desconfiança de que a
suposta inabilidade de
Deus em criar um círculo quadrado é apenas uma zombaria ateística, deve ser observado que teístas clássicos
como São Tomás de Aquino aceitavam satisfeitos tais restrições do
poder de Deus. Isso
pode parecer estranho, já que se Deus é todo-poderoso, sem dúvida não há coisa
alguma que ele não possa fazer.
Aquino e a maioria
de seus sucessores discordaram. Eles não tinham muita escolha. Como a maioria dos crentes, Aquino achava que a crença em Deus era compatível com a razão. Isso não quer dizer que a racionalidade
não fornece todas as razões suficientes
para acreditar em Deus, ou que ao aplicar
a racionalidade podemos exaurir tudo o que há para dizer sobre o
divino. A pretensão mais modesta é que não há conflito entre a racionalidade e a crença em Deus. Você não precisa ser irracional para acreditar em Deus,
mesmo que isso ajude.
Isso significa que qualquer
crença que temos em relação a Deus não deve ser irracional. Significa que não podemos atribuir qualquer qualidade a
Deus que nos
obrigue a aceitar crenças irracionais.
O problema
com coisas
como círculos quadrados é que são logicamente impossíveis. Como um
círculo é por definição uma forma de um lado,
e o quadrado de quatro, e uma
forma de quatro lados e de um lado é uma contradição
de base, então
um círculo quadrado é uma contradição de
base
e é impossível em todos os mundos possíveis. A racionalidade exige isso. Então se
quisermos dizer que a onipotência de Deus significa que ele
pode criar formas como quadrados redondos, nos demos adeus à racionalidade.
Por esse motivo, a maioria dos crentes religiosos conclui satisfeita que
a onipotência
de Deus significa
que ele pode fazer tudo o que é logicamente possível, mas não o que é logicamente impossível. Isso, dizem eles, não é
um limite do poder de Deus, já que a idéia de um ser com mais poder cai em contradição.
Entretanto, se aceitamos essa contradição, a porta se abre para o
escrutínio racional do conceito de Deus e a coerência da crença nEle. Ao
aceitar que a crença em Deus deve existir em harmonia com a razão, o crente
religioso é obrigado
a levar a sério afirmações de
que a crença em Deus é irracional. Tais argumentos incluem a afirmação que a natureza de amor de Deus é
incompatível com o sofrimento desnecessário que vemos no mundo; ou que o
castigo
divino é imoral já que Deus, na verdade, é o único responsável pela natureza humana.
Não basta dizer que isso é simplesmente questão de se, se você aceita a
condição essencial de a fé ser compatível com a razão.
O caminho alternativo para
os
crentes é ainda mais impalatável: negar
que a razão tenha
qualquer coisa
a
ver com
isso
e, em vez
disso, resguardar-se apenas na fé. O que parece contrário a razão é descartado como simples mistério divino. Esse caminho está aberto para nós, mas
abandonar a razão com tanta facilidade em uma esfera de vida e viver como
uma
pessoa racional o resto do tempo pode
ser
considerado viver uma vida
dividida.
Faça o que
eu digo,
não faça o que eu faço
Irena Janus estava se preparando
para sua apresentação sobre o
impacto dos aviões no aquecimento global. Ela iria dizer a seus ouvintes que
os vôos comerciais lançam mais CO2 que provoca mais efeito na atmosfera
em um ano que toda a Africa. Ela iria mostrar como um vôo de longa distância é
mais poluente que doze meses de viagens de automóvel. Se
queremos salvar a Terra, concluiria ela, temos de fazer mais para reduzir o número de vôos que tomamos e estimular as pessoas a viajar menos ou a
usar
outras formas de
transporte.
Quando estava imaginando a recepção calorosa
que sua conferência
teria, foi interrompida
pela aeromoça que lhe ofereceu vinho. Hipocrisia? Janus não via assim. Pois ela também
sabia muito bem que o impacto de
seus próprios vôos no ambiente era desprezível. Se ela se recusasse a voar,
o aquecimento global não seria retardado em nem um
segundo. O que era
necessário era uma grande mudança coletiva e na política. Seu trabalho, que envolvia voar
pelo
mundo
em defesa disso,
poderia ser
parte
da
solução. Recusar-se a voar simplesmente seria um
gesto vazio.
E assim, ela ligou o filme de bordo daquela noite: O dia depois de
amanhã.
É reconfortante pensar que “uma andorinha só faz verão”, mas será verdade? Depende de como você vê a coisa. Por exemplo: se todos na Grã- Bretanha dessem $1 para uma campanha de caridade, juntos levantariam
$56 milhões. Individualmente, ninguém daria muito, mas coletivamente juntariam
uma
grande quantia. Mas, por outro lado, se todos, menos uma pessoa fizessem
a doação, e a soma total chegasse a $55.999.999, o
dinheiro que faltou não faria muita diferença em relação ao que poderia ser
feito com
o total.
Se refletirmos sobre esses fatos, é perfeitamente racional concluir que
minha contribuição é insignificante e por isso não importa se eu a faço ou
não, mas também que faria grande diferença se todos raciocinassem da
mesma forma. Isso é um paradoxo, ou os dois pensamentos podem ser conciliados?
Janus acha que podem. O que você
tem
de fazer é convencer um grande
número de pessoas
que suas contribuições importam. Se um
número suficiente
delas acreditar erradamente
que isso é verdade, então conseguimos o impacto favorável desejado. Na verdade,
isso tudo é um
plano de louvável ilusão.
O esforço coletivo funciona, não o individual. Porém, a menos que
as pessoas achem que o
esforço individual importa,
você não será capaz
de reunir o coletivo.
Há algo extremamente não convincente nessa linha de raciocínio, mas
é difícil encontrar falha
na lógica. Então por que achamos que ela está errada?
Uma possível razão
é que, apesar da consciência tranqüila de Janus,
sentimos que ela é uma hipócrita, pois ela faz o oposto do que nos pede
para fazer. Mas isso não mostra que seu raciocínio sobre o impacto dos
esforços individuais está errado. Sua justificativa para voar pode
ser perfeitamente racional, se ela está preocupada apenas em
salvar o planeta.
Sua opção por voar, entretanto, ainda
pode ser errada, por uma razão
completamente diferente: que é errado fazer o que você diz aos outros para não fazer. Em outras palavras, a razão para ser
errado para ela voar nada tem a ver com o meio ambiente e tudo a ver com o imperativo ético de aplicar à sua própria conduta a mesma ética que você aplica à dos
outros.
Isso parece
resolver o paradoxo aparente. É verdade que, coletivamente, nosso
gosto
por
viagens de avião
é
nocivo: todas as
pequenas emissões se acumulam. Também é verdade que vôos individuais
têm
um impacto desprezível: nenhuma emissão individual importa. Mas
também é verdade que se defendermos uma política de redução de
emissões, não podemos fazer exceções para nós mesmos. Janus não deve
ser criticada por destruir o planeta, mas por não seguir o conselho que dá aos
outros. A menos, é claro, que “faça o
que eu digo, não faça o que eu
faço” seja um
pedido perfeitamente razoável.
O problema
do mal
E o Senhor disse ao filósofo:
– Eu sou o Senhor
teu Deus, todo-amoroso,
todo-poderoso,
onisciente.
– Claro
que não – retrucou o filósofo. – Olho
para este mundo e vejo doenças terríveis,
fome, doenças mentais. Mesmo assim, você não acaba
com
isso, É porque não pode? Nesse caso, você não seria todo-poderoso. É
porque não sabe disso? Nesse caso, não é onisciente. Ou talvez porque não queira? Nesse caso, não
é todo-amoroso.
– Que desaforo! – respondeu o Senhor – É melhor para você que eu
não acabe com
todo esse mal. Você precisa crescer moral e espiritualmente. Para isso precisa
da liberdade de fazer o mal tanto quanto o bem, e de confrontar-se com a possível ocorrência de sofrimento. Como eu poderia ter
feito esse mundo melhor
se tirasse sua liberdade de crescer?
– Fácil – replicou o filósofo. – Primeiro, poderia ter-nos projetado para sentir menos dor. Segundo, poderia ter se assegurado de que tivéssemos
mais empatia, para evitar que fizéssemos o mal a outros. Terceiro, poderia
ternos
feito aprendizes melhores, para que não precisássemos sofrer tanto
para crescer. Quarto,
você poderia ter feito a natureza menos cruel, Quer que
eu continue?
Fonte: O
problema do mal ocorre
de formas diferentes ao longo de toda a história da teologia
Será que Deus poderia ter feito um mundo onde houvesse menos
sofrimento, mas no
qual tivéssemos
a
mesma
oportunidade de exercer nosso livre-arbítrio e, como
observam os religiosos, crescer espiritualmente? E difícil responder a essa questão sem simplesmente servir aos desígnios
escusos
de nossos preconceitos.
Para os ateus, a resposta obviamente
é sim. O filósofo de nossa história faz imediatamente quatro
sugestões. Nenhuma delas parece impossível, Considere que temos uma quantidade natural de empatia, e isso faz com que a maioria de nós tenha menos
tendência a ferir os outros. Se isso é compatível com o nosso livre-arbítrio, por que ter mais
empatia o ameaçaria?
Considere também que nossa capacidade de aprender é algo sobre o
que não temos controle direto. Na verdade, alguns de nós são melhores
nisso do que outros. Por
que Deus não poderia ter feito de todos nós aprendizes
melhores, para que pudéssemos entender por que as coisas são
certas ou erradas sem
a necessidade de sermos expostos a um mal terrível? Considerações como
essa
levam muitos à conclusão de que Deus poderia
muito bem ter criado um
mundo onde houvesse menos
sofrimento. O fato de que Ele
não o fez é prova de que ou não existe, ou que não merece nossa veneração.
Mas se você acredita em Deus, esses argumentos podem parecer
muito fracos. Pois quem somos nós para dizer que Deus poderia ter feito um trabalho melhor? Se Deus existe, é infinitamente mais inteligente que nós.
Por isso, se Ele criou um mundo cheio de sofrimento, deve ter feito isso por
boas razões,
mesmo que essas
razões escapem às
nossas mentes
patéticas.
Como resposta, isso pode parecer insatisfatório. Pois isso
se resume à afirmação que, se alguma vez nos depararmos com
razões racionais para
duvidar da existência de Deus, temos simplesmente de aceitar que nossos intelectos são finitos e que o que pode parecer irracional ou
contraditório faz
sentido do ponto de vista divino. Mas
isso significa apenas rejeitar o papel da
razão na crença religiosa.
E
você
não
pode ter
os dois. Não
adianta
defender sua crença usando a razão em uma ocasião, se não aceitar que um argumento racional contra a crença tenha qualquer
força.
É aí que
o problema do mal parece deixar o crente. As melhores
tentativas racionais
para solucionar
o
problema
na
verdade são
todas
versões do argumento
de que tudo deve ser para o melhor em longo prazo. Mas aceitar isso exige uma fé que desafia a razão, pois nossa melhor razão
nos diz que isso não é o melhor que Deus poderia ter
feito. Se os ateus
podem ser acusados
de alegar saber mais que Deus, os crentes
podem ser
acusados de saber mais que a razão. Qual a acusação mais grave?
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