Análise de um texto argumentativo
Boa tarde, colegas.
Essa é uma aula interessantíssima que fiz no meu curso de pós-graduação e que já utilizei algumas vezes com meus alunos. você pode baixar também a apresentação de slides e os vídeos que dela fazem parte. Espero que curtam.
BJ, BJ.
Shênia Martins
Análise de um texto
argumentativo
Mil e uma noites
Era uma vez um sultão
que descobriu que sua mulher o traía. Cortou-lhe a cabeça. Triste e infeliz,
dedicou o resto da vida à vingança. Todas as noites, dormia com uma mulher
diferente, que mandava matar no dia seguinte. Sherazade, jovem princesa, se
oferece para dormir com o cruel sultão. Caprichosa, garante que tem um plano
infalível que a livraria da morte. Assim aconteceu. Passa mil e uma noites com
o rei, contando histórias de traições. O sultão enganado mudou seu destino.
Esquece da vingança, ouvindo muitos outros casos iguais ao seu.
O que aconteceu com o
sultão? Conformou-se, pois a traição faz parte da vida? Sossegou ao saber que
muitos outros também eram enganados? Perdeu a inveja dos homens felizes? Ou
simplesmente ficou entretido com as histórias de Sherazade?
Não se sabe como termina a história. O rei
voltou a acreditar nas mulheres ou mandou matar Sherazade ao fim das mil e uma
noites? Histórias emendadas umas às outras distraem, divertem e não fazem
pensar. Anestesiam. As histórias têm certa magia.
Tenho pensado sobre
os inúmeros casos de corrupção contados por jornais e revistas. Emendados uns
aos outros, parecem histórias das mil e uma noites brasileiras.
A denúncia da
imprensa é o instrumento mais importante de que dispõe a democracia para
combater a corrupção e saber o que acontece por trás dos bastidores. O caso Watergate
foi o resultado de exaustivas investigações dos jornalistas do Washington
Post. Coletaram dados levaram até o fim as suas suspeitas e correram o
risco de suas acusações. Não foram notícias baseadas em diz-que-diz ou
espalhadas nas páginas dos jornais por adversários políticos. Notícias
divulgadas sem investigação jornalística mais profunda acabam sendo
banalizadas.
A sociedade precisa
ter acesso a fatos que a convençam. A esperada e saudável indignação não vão
surgir com denúncias feitas sem provas. Histórias de corrupção em cores, fotos
cruéis, denúncias vazias levam a quê? Será que com comédia e piadas é que se pretende
apresentar fatos de tal relevância? Não há lugar para tanto sense of humor em
um país onde a miséria seja tão grande como a nossa. Infelizmente, a hora não é
para brincadeiras. Do contrário, as pessoas esperarão os jornais e revistas
apenas ansiosas para o próximo capítulo da novela das mil uma corrupções
brasileiras.
O que vai acontecer
com os brasileiros? Vão se conformar com a corrupção pois faz parte da vida?
Sossegar ao saber que existem casos iguais em outros países? Perder a admiração
pelos homens honestos? Ou ficar simplesmente entretidos com histórias de
Sherazade?
A corrupção não pode se tornar mais uma
distração entre os brasileiros.
Corrupção faz parte
da natureza humana. Para controlar, a imprensa deve apresentar a denúncia com o
máximo possível de provas. Só assim a sociedade pode reagir e a Justiça atuar.
Os casos são contados muitas vezes apenas com insinuações e sem fatos. Muitos
são esquecidos e substituídos por outros mais novos. Confundem as pessoas e
levantam dúvidas sobre a veracidade da notícia. Não há tempo para se perder em
histórias de mil e uma noites. Estamos escrevendo a história de um país com 130
milhões de habitantes. Gente muito sofrida. Pessoas não podem virar ficção. É
preciso cuidado.
(Cosette Alves, Folha
de S. Paulo, 12 jul. 1991)
O primeiro passo para
a análise do texto é descobrir o pressuposto do qual a autora partiu, ou seja,
o pensamento que ela havia formulado mentalmente sobre o assunto antes mesmo de
escrevê-lo. No texto acima encontramos duas palavras-chaves: imprensa e
corrupção. Podemos dizer que a autora não considerava a imprensa séria ao
denunciar os casos de corrupção. Este é o pressuposto.
Nos três primeiros
parágrafos verificamos a introdução que Cosette Alves faz do assunto,
demonstrando amplo domínio sobre a forma como se estrutura o texto. Valendo-se
da história de Sherazade, a autora
prendo leitor para um tema banalizado. O leitor, por sua vez, questiona a
conexão de Sherazade e o Sultão com a corrupção no Brasil.
No primeiro parágrafo
encontramos informações sobre como nasceram as histórias de As Mil
e uma noites. No segundo, pergunta o que teria acontecido com o sultão. E,
no terceiro, ninguém sabe qual o fim dele com Sherazade. Diz também que as
histórias servem de analgésico, divertem e não fazem pensar.
Até o terceiro
parágrafo o leitor não sabe de que assunto se trata, afinal. A autora cria
expectativa no leitor, que descobrirá no quarto parágrafo o tema central. Mas são os três primeiros
parágrafos que funcionarão como estrutura do texto, colaborando para sua
coerência.
No quarto parágrafo a
autora comenta a forma como a imprensa vem tratando os casos de corrupção.
No parágrafo seguinte
a autora vale-se do recurso da ilustração, recorrendo ao caso Watergate, quando ficou patente a seriedade
dos jornalistas americanos que banalizavam as notícias ao não investigá-las de
forma mais profunda. A autora pretende mostrar, com esse recurso, o papel da
imprensa ao denunciar a corrupção.
No sexto parágrafo é
criado um elo entre os três parágrafos introdutórios e o tema do artigo com a
alusão feita às mil e uma corrupções brasileiras. Desta forma, as circustâncias
que rodeiam ambos os textos torna-se similares.
No sétimo parágrafo
as perguntas outrora feitas às histórias contadas e seus personagens são feitas
agora aos brasileiros, à imprensa e às histórias de corrupção que ouvimos todos
os dias.
O oitavo parágrafo
serve de transição entre o sétimo e o nono. É uma espécie de ponte para a
retomada do assunto no último parágrafo. Constituído de apenas uma frase, serve
de pausa, gancho e uma espécie de respiradouro. Esse recurso retoma a idéia de
distração presente na última frase do sétimo parágrafo e introduz a palavra
corrupção, que será desenvolvida no parágrafo final.
Cosette Alves
finaliza seu texto afirmando que a
imprensa deve apresentar uma denúncia com o máximo possível de provas, ou seja,
deve ter seriedade ao apresentar as notícias. A articulista faz uma analogia
entre seu breve resumo de As mil
e uma noites e o papel da imprensa brasileira e usa a
história de Sherazade como recurso de
argumentação.
Para manter a
coerência do texto argumentativo o artigo termina com a retomada do que se
disse no parágrafo introdutório.
A conclusão a que
chegamos após o término da leitura é que a corrupção não deve nos servir de
distração como as histórias contadas por Sherazade para distrair o Sultão, e
que a imprensa deve conscientizar-se do seu papel, ater-se aos fatos e perceber
que não estamos lidando com personagens em histórias mas sim com valores e pessoas
da vida real.
Por que o texto é
convincente? Ora, se retomarmos a pergunta: Por
que a imprensa não pode ser leviana quando denuncia casos de corrupção?
Teremos como resposta:
1 – a denúncia da
imprensa é o instrumento mais importante de que dispõe a democracia para
combater a corrupção e saber o que acontece por trás dos bastidores;
2 - a sociedade
precisa ter acesso a fatos que convençam;
3 – A corrupção não
pode se tornar mais uma distração para brasileiros como acontece com as
histórias contadas em As mil e uma noites.
Como podemos
constatar, esses argumentos encadeiam-se de forma coesa e coerente, soldados
uns aos outros, e levam a uma só conclusão. Basta colocar uma conjunção
conclusiva para perceber como isso se dá:
1° argumento: A denúncia da imprensa é o instrumento mais
importante de que dispões a democracia para conhecer a corrupção e saber o que
acontece por trás dos bastidores,
Por isso a imprensa deve apresentar a denúncia com o
máximo possível de provas.
2° argumento: A sociedade precisa ter acesso a fatos que a
convençam,
Por isso a imprensa deve apresentar a denúncia com o
máximo possível de provas.
3° argumento: A corrupção não pode se tornar mais uma
distração para brasileiros como acontece com as histórias contadas em As mil e uma noites,
Por isso a imprensa deve apresentar a denúncia com o
máximo possível de provas.
Enfim chegamos a conclusão que o texto é
preciso, coeso e coerente. Nele, todas as partes se ordenam perfeitamente. Os
argumentos convencem e a conclusão a que ela chegou está bem ajustada.
Em síntese, Mil e uma noites está assim estruturado:
Pressuposto:
A imprensa não pode
ser leviana quando denuncia casos de corrupção.
Argumentos:
1 – a denúncia da
imprensa é o instrumento mais importante de que dispõe a democracia para
combater a corrupção e saber o que acontece por trás dos bastidores;
2 - a sociedade
precisa ter acesso a fatos que convençam;
3 – A corrupção não
pode se tornar mais uma distração para brasileiros como acontece com as
histórias contadas em As mil e uma noites.
Conclusão:
A imprensa deve
apresentar a denúncia com o máximo possível de provas.
Podemos assim
esquematizar as idéias acima:
Auditório particular: um conjunto limitado de pessoas –
leitores do jornal Folha de São Paulo.
Argumentos:
1) Argumento Dedutivo
- Se
todas as premissas são verdadeiras, a conclusão deve ser verdadeira.
- Toda
a informação ou conteúdo factual da conclusão já estava, pelo menos implicitamente, nas premissas
Ex: Por que a imprensa
não pode ser leviana quando denuncia casos de corrupção?
R: A denúncia da
imprensa é o instrumento mais importante de que dispõe a democracia para
combater a corrupção e saber o que acontece por trás dos bastidores;
R: A sociedade
precisa ter acesso a fatos que convençam;
R: A corrupção não
pode se tornar mais uma distração para brasileiros como acontece com as
histórias contadas em As mil e uma noites.
2) Argumento de Valoração
- Verdades que são de consenso geral. É o
argumento que utiliza conceitos e idéias respeitados e considerados
inquestionáveis, aceitos universalmente.
- Temáticas que são representadas por esse
tipo de argumento: paz, harmonia, respeito, liberdade,direito de ir e
vir,coragem, bondade,etc.
Ex: “A denúncia da imprensa é o instrumento mais
importante de que dispõe a democracia para combater a corrupção e saber o que
acontece por trás dos bastidores”.
3) Argumentos por Analogia
•
Estabelecem
uma semelhança entre dois casos e inferem da semelhança de certos atributos que
os dois casos serão também semelhantes noutro. A premissa implícita é que serem
semelhantes numas coisas implica que serão na outra.
Ex: “O que vai acontecer com os brasileiros? Vão se
conformar com a corrupção pois faz parte da vida? Sossegar ao saber que existem
casos iguais em outros países? Perder a admiração pelos homens honestos? Ou
ficar simplesmente entretidos com histórias de Sherazade?”
4)
Argumentos por
exemplos
Ex: O caso Watergate
foi o resultado de exaustivas investigações dos jornalistas do Washington
Post. Coletaram dados levaram até o fim as suas suspeitas e correram o
risco de suas acusações. Não foram notícias baseadas em diz-que-diz ou
espalhadas nas páginas dos jornais por adversários políticos. Notícias
divulgadas sem investigação jornalística mais profunda acabam sendo
banalizadas.
2) Argumento de Autoridade
•
Citar
autores renomados, autoridades num certo domínio do saber.
•
Usar
citações mostra que o falante conhece bem o assunto que está discutindo, porque
já leu o que sobre este assunto já pensaram outras pessoas.
Ex: “O caso
Watergate foi o resultado de exaustivas investigações dos jornalistas do
Washington Post. Coletaram dados levaram até o fim as suas suspeitas e correram
o risco de suas acusações. Não foram notícias baseadas em diz-que-diz ou
espalhadas nas páginas dos jornais por adversários políticos. Notícias
divulgadas sem investigação jornalística mais profunda acabam sendo
banalizadas”
APRESENTAÇÃO EM POWERPOINT
Os vídeos que compõem o slide são os seguintes:
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