Língua Portuguesa & Filosofia - A Alegoria da caverna de Platão.
Boa tarde,
Como mencionei na aula anterior, há diversas possibilidades de se trabalhar os textos de grandes filósofos. Desta vez o foco é a intertextualidade. Normalmente essa é minha aula inaugural com novas turmas e sempre me surpreendo com os resultados.
Para começar essa aula sugiro que, se possível, passe o clip da música "O que sobrou do céu" para os alunos.
O Que Sobrou do Céu - O Rappa
Faltou luz mas era dia, o sol invadiu a sala
Fez da TV um espelho refletindo o que a gente esquecia
Faltou luz mas era dia... dia
Faltou luz mas era dia, dia, dia
O som das crianças brincando nas ruas
Como se fosse um quintal
A cerveja gelada na esquina
Como se espantasse o mal
O chá pra curar esta azia
Um bom chá pra curar esta azia
Todas as ciências de baixa tecnologia
Todas as cores escondidas nas nuvens da rotina
Pra gente ver... por entre prédios e nós...
Pra gente ver... o que sobrou do céu... o la lá
Antes de relacionar a letra ao vídeo, conversemos um pouco com os alunos do que ele trata. Não podemos esquecer que temos duas linguagens - visual (fílmica) e auditiva - que se fundem. Cada linguagem, ou seja, cada meio de comunicação tem suas características e forma de comunicar uma ideia. Então, que história nos conta o vídeo? Como são apresentados os personagens?
Observe que ele começa com um questionamento a um dos personagens: o que é a felicidade? Discuta a resposta dada por ele com os alunos.
Na cena seguinte este homem está a caminho do trabalho quando é abordado por um grupo que o obriga (e as razões não ficam claras) a participar de um sequestro. Até então a narração do vídeo está em 3ª pessoa. Repare que vemos o que está acontecendo de longe.
Doravante conhecemos um outro personagem: o sequestrado, que é mantido em cativeiro na casa desse homem que aparece primeiro. Esse é um bom momento para se discutir a caracterização dos personagens, que embora não tenham muito diálogo durante o vídeo, "falam" com suas ações, roupas, cor de pele, cenários no qual estão inseridos, etc. Perceba que trata-se de uma crítica social - característica marcante da obra de "O Rappa".
Mais adiante temos uma mudança de narrador no clipe, quando começamos a olhar o que tem em volta sob a perspectiva do sequestrado. A posição da câmera é essencial para que se perceba essa troca de narrador (o sequestrado olhando pelo buraco da parede, por exemplo). Perceba que ele observa o ambiente em que está e parece estar "investigando" essa outra realidade. Ele observa os homens que o prenderam mexendo em em suas armas enquanto as crianças brincam despreocupadamente: "o som das crianças brincando nas ruas como se fosse um quintal."
Enquanto sequestrador e sequestrado convivem uma relação é estabelecida entre eles. Que relação é essa? Por que, com a chegada da polícia, o primeiro personagem preocupa-se em soltar o sequestrado antes de fugir? E por que, na cena seguinte, ele "retribui o favor" não o denunciando à polícia?
Repare que quando o ônibus afasta-se no final vemos um cartaz da banda "O Rappa" no vidro do ônibus e quando ele vai embora nos deparamos com a sombra de um poste e do varal que o personagem usava para vender seus artefatos projetarem-se como uma cruz - que ele sai carregando. Temos aí dois exemplos de intertextualidade e uma metáfora bem interessante no final com essa "cruz" que ele continuará carregando.
Bem, agora é hora de debater os significados da letra antes de relacioná-la com o vídeo.
Peça aos alunos que façam suas inferências sobre o texto todo e em seguida questione-os sobre o seguinte trecho:
"Faltou luz mas era dia, o sol invadiu a sala
Fez da TV um espelho refletindo o que a gente esquecia"
Antes de dizer aos alunos do que se trata, hora de apresentar um outro texto aos alunos: "O mito da caverna", de Platão. Essa é uma das passagens mais clássicas da história da filosofia.
O Mito da Caverna, também conhecido como “Alegoria da Caverna” é uma passagem do livro “A República” do filósofo grego Platão. É mais uma alegoria do que propriamente um mito. É considerada uma das mais importantes alegorias da história da Filosofia. Através desta metáfora é possível conhecer uma importante teoria platônica: como, através do conhecimento, é possível captar a existência do mundo sensível (conhecido através dos sentidos) e do mundo inteligível (conhecido somente através da razão).
Vamos a um resumo:
O mito fala sobre prisioneiros (desde o nascimento) que vivem presos em correntes numa caverna e que passam todo tempo olhando para a parede do fundo que é iluminada pela luz gerada por uma fogueira. Nesta parede são projetadas sombras de estátuas representando pessoas, animais, plantas e objetos, mostrando cenas e situações do dia-a-dia. Os prisioneiros ficam dando nomes às imagens (sombras), analisando e julgando as situações. Vamos imaginar que um dos prisioneiros fosse forçado a sair das correntes para poder explorar o interior da caverna e o mundo externo. Entraria em contato com a realidade e perceberia que passou a vida toda analisando e julgando apenas imagens projetadas por estátuas. Ao sair da caverna e entrar em contato com o mundo real ficaria encantado com os seres de verdade, com a natureza, com os animais e etc. Voltaria para a caverna para passar todo conhecimento adquirido fora da caverna para seus colegas ainda presos. Porém, seria ridicularizado ao contar tudo o que viu e sentiu, pois seus colegas só conseguem acreditar na realidade que enxergam na parede iluminada da caverna. Os prisioneiros vão o chamar de louco, ameaçando-o de morte caso não pare de falar daquelas ideias consideradas absurdas.
O Objetivo da narrativa é nos levar a compreensão de que temos uma uma visão distorcida da realidade. No mito, os prisioneiros somos nós que enxergamos e acreditamos apenas em imagens criadas pela cultura, conceitos e informações que recebemos durante a vida. A caverna simboliza o mundo, pois nos apresenta imagens que não representam a realidade. Só é possível conhecer a realidade, quando nos libertamos destas influências culturais e sociais, ou seja, quando saímos da caverna.
Esse tema foi explorado também no filme Matrix. veja o vídeo a seguir:
Percebemos então que os textos, sejam eles escritos ou áudio-visuais, conversam sempre entre si e cada um explora o tema à sua maneira.
Voltando agora à letra do Rappa, podemos perceber que os dois primeiro versos fazem referência ao texto de Platão, adaptado à nossa realidade. Desta vez a fogueira que projeta as imagens na parede é substituída pela TV que "reflete" o que a gente esquece, ou seja, a realidade dos milhares de desfavorecidos, que muitas vezes não vemos, mas que não deixam de existir por conta disso. O que significa a falta de luz então em pelo dia? Bem, possivelmente a falta de conhecimento. É pela leitura que iluminamos nosso pensamento.
Abaixo algumas tirinhas interessantes para ajudar a finalizar o assunto.
Os textos acimas "Alegoria da caverna", "Matrix" e "O que sobrou do céu" são exemplos de como os textos se reinventam enquanto dialogam.
A partir do material exposto você pode sugerir, por exemplo que eles escrevam uma narrativa contanto com a história dos personagens do clipe. Peçam que explorem os diálogos e, se desejarem, deem um desfecho diferente.
Costumo terminar essa aula convidando os alunos a saírem comigo da caverna do desconhecimento e nos iluminarmos com aquilo que descobrimos em nossas aulas.
Espero que sirva pra você também.
BJ, BJ.
Shenia Martins
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