Para aquecer a aula e as ideias.

Boa tarde, caríssimos.

Hoje pela manhã, enquanto fazia um tour pelo Facebook, deparei-me com a postagem de um colega adolescente - 15 anos - que comenta frequentemente que não gosta de estudar. Isso me fez refletir sobre o desinteresse pelos estudos que temos presenciado nas últimas décadas. É fato que a escola de hoje parece a mesma de 30, 40, 50 anos atrás, embora os alunos não sejam os mesmos, e não deve ser fácil para a garotada manter-se atentos à assuntos por vezes descontextualizados de sua realidade. Mas temos perdido bem mais do que o prazer de aprender, estamos ficando preguiçosos para pensar e, desta forma, refletimos menos sobre nosso papel na sociedade da qual fazemos parte. Vivemos em um país de enorme desigualdade social. Ontem, no programa Fantástico, da rede Globo, pudemos assistir ao descaso dos prefeitos de Alagoas e de Jaboatão dos Guararapes com a educação. Crianças estudando em ambientes sem água, luz,carteiras ou banheiro. E esses são só alguns dos problemas que enfrentam para estudar. A maioria sofre por não poder ir ao colégio. Se chover, não tem aula. Apesar de ter conseguido uma evolução significativa nos itens avaliados pelo Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), o Brasil ainda está nas posições mais baixas do ranking. Entre os 65 países comparados, o Brasil ficou em 58º lugar. Muitos aprendem a ler, mas não leem... outros querem, mas não podem. Lembrei-me de uma escola na qual trabalhei que tinha coisas que nunca havia imaginado: salas com televisões, ambiente climatizado, laboratório de química, robótica, quadros inteligentes, salão disso e aquilo... Sempre que andava pela escola pensava nos alunos, que como eu, estudaram ou estudam em colégios estaduais nos quais os único experimento químico que você faz é ver o ovo subir em um copo com sal. Biologia? Só no livro. O resto é imaginação... se o professor conseguir com tão poucos recursos despertá-la.. Pensava nas milhares de crianças que precisariam de muito esforço e força de vontade para competir com essas tantas outras que tinham tudo ali, ao alcance delas. Pena que muitos desperdiçam as oportunidades. Esquecem-se de si e dos outros. Imersos em um mundo virtual. Enfim, em resposta à postagem, coloquei uma segunda, também em quadrinhos. Ei-las:







Que tal convidá-los então para ver um pouquinho do que acontece no mundo real? Essa realidade que não  postam no Facebook?

Eu sugiro um curta-metragem chamado "10 centavos". O filme, há muito tempo o mais bem cotado pelos visitantes do site Porta Curtas, levou vários prêmios em 2008 – entre eles, o Prêmio Unicef no Festival Internacional de Cine Documental y Cortometraje de Bilbao e seis prêmios no Festival Guarnicê de Cinema (Maranhão) 2008, incluindo o de melhor ator para o garoto Jorge Júnior.
Dirigido por Cesar Fernando de Oliveira e com roteiro de Reinofy Duarte, o curta-metragem “10 Centavos” (2007) mostra o cotidiano de um garoto que guarda carros no centro histórico de Salvador (BA).
Em entrevista ao Blog Curtas em julho de 2008, Cesar Fernando de Oliveira conta que Jorge foi escolhido como protagonista uma semana antes do início das filmagens. O menino, que ainda não era ator, trabalhava nas ruas ajudando a avó a vender doces na frente de um teatro.



Eis também um texto interessante que pode ser trabalhado antes ou depois do vídeo:

POR UM POUCO MAIS QUE UM TROCADO

“Uma moeda, tio!”
A voz é fraca, o olhar não se arrisca em topar com o de quem ali entra. O corpo é frágil. O pé veste chinelos e uma sujeira de quem vai todos os dias de bicicleta ao centro com a missão de ajudar na renda da família. Pedalando, da vila do garoto até o local das pessoas com moedas, são 15 minutos. Caminhando, são quase 60.  “Hoje eu vim a pé, o pneu da bicicleta furou… meu pai vai tentar me dar outra”. É necessário juntar as frases dele com atenção. Para escutá-lo mesmo, melhor sentar ao seu lado na escada; a fala não chega a mais de um metro de distância, e ele não está acostumado com pessoas que não desçam as escadas com pressa.
São sete degraus para chegar aos caixas eletrônicos do Banco do Brasil da Rua Coronel Niederauer com a esquina da Floriano Peixoto. Entrar, sacar o dinheiro, ver o saldo, tirar um extrato. Ali dentro, ações mecânicas. O intuito é pegar as notas e depois usá-las nas necessidades do dia-a-dia. Ou não nas necessidades… Colocar dinheiro na carteira é, muitas vezes, prenúncio de queixa: “Meu dinheiro sumiu, com o que será que gastei mesmo?”. E da lamúria às maquininhas que cospem uma notinha a mais que seja, é um instante, um caminho de traço decorado. Nesse entra e sai da agencia bancária, muitas vezes nem se ouve a voz do menino sentado ali pelo terceiro degrau. Um trocado, a moeda esquecida para o garoto esquecido. Apenas um trocado. Para ele, atenção é riqueza rara.
Ele tem nove anos e digamos que se chame Roger. Pois bem, Roger desde os sete tenta ajudar nas despesas de casa. Atualmente, ganha “19… às vezes 20 reais por dia”. No estojo que carrega consigo – e que é quase um apêndice do corpo – deposita parte do arroz, do feijão e da carne das refeições familiares. Outra parte vem do irmão mais velho que, na frente do Banco…
Tá bem reparado, viu moça?”
…concorre com os parquímetros e investe no que os inimigos não têm: a fala. É cuidador de carros e do irmão pequeno, ainda que ele mesmo não tenha chegado na idade de poder legalmente ser responsável por alguém.
Ambos chegam juntos ao centro por volta das 17 horas e voltam para casa à meia noite, aproximadamente. O banco fecha às 22 horas e Roger vai para a rua esperar. A espera não é espera, pois ele ajuda o irmão, nessas duas últimas horas, a conseguir uns trocados a mais. Fechado o dia, pegam a bicicleta (ou a sola dos chinelos) e, entre as subidas e descidas da Santa Maria, seguem para casa.
“Quando eu chego em casa? Eu durmo…”
Roger chega às 8 horas no colégio e não falta – não quer e não gosta de se ausentar.
“Não tenho matéria preferida, eu gosto de todas. Não quero parar de estudar.”
Pela manhã, escola; o sonho de um ofício. Pela tarde, brincadeira de esconde-esconde com os amigos da vila Conceição; o jogo de uma criança em desenvolvimento. Pela noite, choque de realidade; a incorporação de uma rotina imposta pela desigualdade. Pelas falhas do nosso sistema é que Roger vai todo dia para o terceiro degrau daquela escada por onde circulam descaso, desprezo e, muito raramente, um olhar de atenção. Mesmo com chuva, o menino vai diariamente da casa ao centro.
“Ontem e sábado (21 e 22 de novembro) nós tomamo um banhão de chuva, mas olha! Achei um tênis no caminho.”
Roger olha orgulhoso para os pés calçados com uma botina que um dia foi bege clara. E, de pé coberto, na segunda-feira (23 de novembro), quando o sol já se pôs há algumas horas, o menino de aproximadamente um metro e meio caminha até a calçada para cuidar dos carros. Perto do horário de fechamento do banco, as pessoas vão ficando escassas. Afinal, elas têm que ir para a casa e descansar – ou, então, prolongar o seuhappy happy hour. Além da falta de movimento, de uns dias para cá outras crianças apareceram nas escadas do banco com o mesmo intuito de Roger. Raiva por dividir as moedas? Não.
“Eles são meus amigos. Tá vendo aquele ali? Ele mora na minha vila e brinca comigo de tarde.”
Há algumas semanas, o Conselho Tutelar havia retirado todas as crianças do local. Baixado a poeira (e aumentado as dificuldades financeiras dentro de casa), Roger voltou para lá. Seguido dele, mais uma menina. E mais um menino. E depois outro. Pouco adianta a eficiência do Conselho na fiscalização, se políticas públicas para a melhoria da condição de vida das famílias não são implantadas.
Roger não pede moedas porque gosta. “O que eu mais gosto de fazer? Hum.. estudar.”. Ele está na quarta série e já ultrapassou o irmão, que parou exatamente nessa fase para ajudar o pai no trabalho de construção. Roger quer ser bombeiro. O porquê: “Por que sim!”. Talvez porque salvar vidas seja meta de quem tenta se socorrer diariamente. Enquanto se adere com afinco às campanhas do tipo é feio dar esmola! a causa da falta de oportunidades, que lança um contingente de indivíduos às ruas, cai no esquecimento. Feio é tapar os olhos para a exacerbada competição que exclui uma maioria de pessoas hostilizadas por esse modo de vida maquinal e frio. O centro, e o que nele pipoca, torna-se a opção das pessoas que moram em mundos à parte do tal mundo globalizado. Às campanhas: muito bem! De fato, algumas são eficientes. Porém, sozinhas não bastam. Coexistindo a elas, são urgentes medidas concretas de melhoria de vida a essa população.  Do contrário, Roger e outras tantas crianças voltarão todo o dia para casa com um punhado de moedas, um estômago roncando e uma satisfação ainda pueril por ajudar nas contas da família
POR UM POUCO MAIS DE UM TROCADO, pelo viés de Liana Coll

E que tal essas charges para finalizar?





Até a próxima!

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