Como nasce o cinema? - Curso com Geraldo Sarno
Como professora de Língua Portuguesa aflige-me alguns aspectos que
envolvem o ensino desta disciplina nas escolas de hoje. A abordagem da língua
continua distante do que se espera e do que se faz necessário para tornar o
aluno um usuário competente dela. Os alunos, em sua maioria, possuem
dificuldades em associar as informações recebidas com sua real prática
linguística. Além do mais, a prática cartesiana que não prioriza a atividade
interdisciplinar – mesmo as disciplinas de Português e Redação são lecionadas
separadamente na maioria das instituições de ensino – distancia o aluno da real
funcionalidade da língua: estar apto para comunicar-se em situações diversas.
Saber português tem-se resumido ao domínio da variedade padrão da língua e a
aptidão para identificar seus fatos através de uma nomenclatura oficial. Dentre
as questões que me angustiam estão: que utilidade pode ter, no desenvolvimento
das habilidades de compreensão e expressão, o ensino pragmático da estrutura e
funcionamento da língua? O sistema de ensino atual dá conta de torná-los
competentes para expressarem com clareza e desenvoltura – oralmente ou por
escrito – as informações, conhecimentos e ideias que queiram comunicar a outras
pessoas? A língua não pode ficar limitada a um manual de gramática. A linguagem
é uma atividade social, é um ato histórico, político e cultural que envolve um
complexo conjunto de habilidades e fatores sociais. De acordo com Patrick
Charaudeau (2008):
O ato de linguagem não esgota sua significação em sua
forma explícita. Este explícito significa outra coisa além de seu próprio
significado, algo que é relativo ao contexto sócio histórico. Um ato de
linguagem pressupõe que nos interroguemos a seu respeito sobre as diferentes
leituras que ele é suscetível de sugerir.
Assim posto, percebemos que a competência em se comunicar não reside
unicamente na aptidão para representar o mundo sob a forma de escrita, mas na
capacidade de significar o mundo como uma realidade que inclui o contexto
histórico e as relações que se estabelecem entre o emissor e o receptor. Ser
competente em sua língua materna ultrapassa a capacidade de unir vocábulos,
orações, períodos e parágrafos. A competência se encontra na aptidão para
representar a realidade que o cerca. A significação de um ato de linguagem
depende de saberes construídos anteriormente e durante o processo de
comunicação pelo interpretante. Desta forma
levanto a hipótese de que a proposta de ensino a partir da análise e
produção de vídeos será capaz de levar o aluno, que muitas vezes encontra-se em
um papel de ouvinte passivo, a tornar-se um colaborador e produtor de textos e
sentidos, visto que o cinema é uma linguagem audiovisual plural. Convém lembrar
que de acordo com Charles Sanders Pierce (1993), texto é qualquer conjunto de
elementos que, capazes de serem captados por nossos sentidos (visão, audição,
tato, olfato e gustação), possam funcionar, assim conjuntamente, como meio de
comunicação.
Partindo do pressuposto que a maior dificuldade dos alunos atualmente se
situa no campo da interpretação e produção de textos e de que apenas o
conhecimento, ainda que profundo, das regras gramaticais não dá conta de
torná-lo competente na produção destes, percebo no emprego do cinema um meio de
ampliar a construção do conhecimento e pensamento crítico-reflexivo dos jovens
e não somente como mero ilustrador de conteúdo, como muitas vezes é compreendido.
O cinema não deve ser encarado somente como meio de comunicação em massa, mas
de educação de massa capaz que levar o leitor-expectador a mudar seu
comportamento em atendimento a uma dinâmica dentro do tecido social.
Palavras e imagens são essenciais à trajetória do desenvolvimento humano,
são duas fontes de interação que estão a serviço de uma educação mais ampla.
Partindo do movimento de imagens e sons, a sétima arte elabora uma linguagem
própria, propõe novas percepções e reflexões do mundo, permitindo o
desenvolvimento de uma comunicação capaz de transitar entre o campo da palavra,
da imagem e do som.
Nos últimos anos os computadores pessoais aumentaram a capacidade de agir
e de comunicar dos indivíduos e o desenvolvimento tecnológico e da indústria
cinematográfica favoreceu o contato com todo tipo de material audiovisual.
Estamos imersos em um mundo de sons e imagens e a escola precisa apropriar-se
desses recursos. As novas gerações estão expostas em tempo integral à linguagem
visual, que deve ser vista de forma crítica. O cinema transmite saber,
possibilita o desenvolvimento da personalidade e aperfeiçoa a sensibilidade do
expectador. A escolha de um filme é, portanto, extremamente importante para a
formação dos alunos, pois seu uso é capaz de ajudar a potencialização das
operações mentais para a construção do conhecimento e para uma reflexão mais
crítica da experiência sociocultural dos sujeitos.
É preciso, contudo, esclarecer que a proposta deste trabalho não exclui o
ensino da gramática nas escolas, mas sugere a ampliação do conceito de
educação. Grande parte dos livros didáticos de hoje não incluem o ensino da
linguagem audiovisual. Com relação ao cinema, por exemplo, são encontrados
apenas pequenos capítulos reservados à construção de um roteiro. A elaboração
do filme, desde a ideia inicial à apresentação para o público é completamente
ignorada.
Os benefícios de se trabalhar o cinema podem ainda alcançar resultados
surpreendentes quando o educando é estimulado a compreender e dominar as formas
de expressão que induzem à reflexão. Nesse
cenário, a professora Adriana Fresquet , pós-doutorada em Cinema, Infância e
Educação pela PUC-Rio, salienta a importância da experiência de criação de
obras audiovisuais: filmar, pensar em roteiro, iluminação, cenário,
experimentando a criação de filmes da parte técnica à edição final. Neste
processo, o aluno é constantemente surpreendido e instigado a transitar por
novas formas de expressão e recepção, já que as imagens provocam inicialmente
um efeito psicológico e emotivo.
Por fim, podemos dizer que a interação com o cinema é fomentadora do
desenvolvimento interpretativo, visto que é constituída por símbolos e signos.
Desta forma, tendo o aluno interiorizado o conhecimento que esta arte é capaz
de lhe proporcionar, poderá, com mais facilidade, materializar seu discurso, ou
seja, construir um texto, e enxergar na gramática um suporte na elaboração
destes.
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Para começar a entender como pensar cinema, trago hoje uma proposta muito interessante idealizada pelo diretor e roteirista Geraldo Sarno.
Autor de um clássico do cinema documental brasileiro, Viramundo (1965), sobre a migração nordestina para São Paulo, o primeiro de uma série de estudos sobre a cultura do Sertão. Começou no início dos anos 60 como integrante do Centro Popular de Cultura da Bahia (onde nasceu, em 1938). Realizou filmes em 16mm sobre a reforma agrária, entre eles Mutirão em Novo Sol (1963), que se perderam após o golpe militar de 1964. Trabalhou também o tema da religiosidade popular em Iaô (1976), sobre os cultos afro-brasileiros, e Deus é um fogo (1987), sobre o catolicismo e as esquerdas latino-americanas. A partir de 1999, em complemento ao trabalho de reflexão estética iniciado com a revista Cinemais, realiza uma série de documentários intitulada "A linguagem do cinema", composta de entrevistas com diretores brasileiros, entre eles Walter Salles, Júlio Bressane, Carlos Reichenbach, Ana Carolina e Ruy Guerra. Realizou também alguns longa-metragens de ficção.
Geraldo Sarno vem com uma proposta de um cinema que pensa, instiga. De Nietzsche à Eisenstein, de Marx à Linduarte Noronha, o professor nos encanta com seu conhecimento sobre as etapas de produção de um filme. Em suas primeiras duas aulas expositivas do curso, Geraldo nos presenteou com "Encouraçado Potenkim" e o documentarário "Aruanda", entre outros. Todos acompanhados de fascinantes apontamentos quanto à realização das obras. Forneceu-nos também um material complementar sobre o assunto. Felizmente para a maioria de vocês que estão lendo este texto agora ainda há oportunidade de inscrever-se, já que o curso foi adiado para o DIA CINCO DE MAIO. A inscrição deve ser feita pessoalmente na Rua da Alfândega, 05, na Escola de Cinema Darcy Ribero, no centro da cidade. A escola conta com um site http://www.escoladarcyribeiro.org.br/
Nesse ínterim, eu os convido a conhecer um pouco mais do trabalho desse já querido professor. Infelizmente não encontramos com facilidade suas obras mais atuais, dentre elas "O Último Romance de Balzac" e "Tudo Isso Me Parece um Sonho", que lhe rendeu o prêmio de melhor direção e roteiro no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em 2008.
Primeiro, vejamos uma entrevista com o próprio Geraldo:
Um pouco de sua obra:
Trecho de Viramundo
Os Imaginários
O Engenho
Coronel Delmiro Goveia
Para finalizar, dois artigos sobre Sarno publicados no jornal "o Globo", um da década de 70 e outro de 2008. Para quem tiver acesso ao Globo Digital, há diversos outros que podem nos ajudar a compreender o impacto de sua obra quando foi lançada.
Quer saber mais? Encontro vocês no curso!
Até breve,
Shênia Martins
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